sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Senti-me Gillespie




         Há uns dias, estava nos meus afazeres logísticos quando me entram umas pessoas  porta dentro. Eram dois homens com mais de 30 anos. Vinham da loja da pesca, aqui ao lado. O mais baixo, questionou-me sobre uma bomba para encher  pneus, só queria saber o preço, e o mais alto, que entretanto foi apreciando os artigos de tiro com arco, achando que era a sua vez de intervir, perguntou-me se eu achava que era possivel colocar um travão de disco na roda de trás da sua bicicleta. Retorqui que seria possivel se o quadro estivesse já preparado para o efeito, com bases para fixar a bomba do travão, caso contrário não seria fácil, mas não impossivel. Ao mesmo tempo, por detrás dos oculinhos redondos com astes cromadas, o companheiro mais baixo olhava, semiserrando os olhos, tentando descrutinar o preço das bestas expostas, faz a pergunta sacramental: "Isto atira muito longe?" Disse-lhe que não tinha bem a noção da distancia, pois como aquela besta era muito potente, não seria possivel determinar o trajeto e o espaço percorrido pelo projectil, sendo inclusivé virtualmente impossivel encontrá-lo depois de disparado. Naquele momento, o mais alto, curioso, resolve intervir, queria saber "coisas" sobre os arcos compound expostos. Lá expliquei genéricamente como funcionam, mencionando que o tiro com besta é mais fácil do que com o arco visto que há uma maior necessidade de treino com este do que com a outra arma, postura física, hábitos musculares etc... O cliente mais baixo avança destemido dizendo que, em miudo, nas colónias de férias tinha praticado com ambos e que eu estava redondamente enganado. O tiro com arco  ou com besta era fácil não exigindo treino de maior com qualquer das armas. Ainda tentei dissuadi-lo de tão vincada opinião, mas não consegui, o homem manteve-se firme nas suas convicções arqueiras, apoiado por uma memória dos tempos de infante, praticante ocasional da modalidade, nas férias de verão. Resolvido que estava este assunto, o mais alto, - o não-praticante das artes arqueiras! -, volta à carga com a história do travão, referindo que tinha disco na frenta da bicicleta, mas que queria também colocar um na traseira, voltei a pronunciar-me sábiamente dizendo-lhe que era fundamental que o quadro da bicicleta tivesse numa das escoras as bases para colocar a bomba do travão e que, sem isso, dificilmente seria possivel, ao que ele responde como que gaguejando:

_ Sim, sim, estou a perceber... agora que o senhor fala nisso, estou a lembrar-me que tem lá umas coisas agarradas...uns... aaaa... ai comé-que-lhe-chamam?...aaaa.... uns PICLES!!! Pois pareceque qué isso que lhe chamam...Picles ! Parece que é...


E é agora caro leitor, que entra o grandioso Dizzy Gillespie tocando trompete. Eu, que estava atento ao que o meu interlocutor dizia, naquele momento imediatamente depois da palavra PICLES, enchi as bochechas tentando não explodir de riso, vindo-me de imediato à cabeça a imagem ridícula que estaria a fazer ali, de fronte para o cliente, com as bochechas dilatadas e a boca com os lábios cerrados para não deixar sair o ar, parecendo o famoso trompetista enquanto me lembrava da bicicleta com picles. Recuperado do choque inicial, ainda insuflado e com olhos à chinês por causa das bochechas, lá fui deixando sair a pressão devagarinho, apercebendo-me do ar incredulo do homem quando franziu o sobrolho, como quem diz: - Mas por que raio é que este gajo me está a fazer cara de cu?



Uma hora de Gillespie AQUI